Cap 7: Será que ele me arranja um sorvete?

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            Guaracy estava se vendo brincando com um carrinho, no canto do único cômodo da casa, ela era simples, mas bem cuidada, os pais dele estavam sentados do lado de fora conversando com os vizinhos.

Eles fumavam e falavam sobre como iria ficar a rua quando o governo finalmente regularizasse o assentamento e trouxesse água encanada e eletricidade.


O pai dele se levantou e pegou Guaracy no colo, “Depois nós conversamos... hoje eu prometi levar o Guaracy para o parque” ele olhou nos olhos de Guaracy e disse ”E depois agente vai tomar um sorvete de chocolate”


Eles andaram pelas ruas da comunidade, vários barracos feitos de plástico, madeira e outros de tijolos como a dele, mas ainda tinha muito espaço livre cobertos por árvores e gramados, eles passaram a tarde toda no parque.



*

*


Agora Guaracy olhava a versão dele com 6 ou 7 anos de idade indo até a porta, ele via mofo nas paredes, algumas seringas e lixo no chão,  Paulo estava esperando do lado de fora com uma bola nas mãos.


Eles corriam pelas ruas de terra desviando das pessoas e materiais de construção, a quantidade de casas tinha aumentado bastante, mas como prefeitura não tinha regularizado o assentamento as casas eram construídas em cada cm livre.





Eles atravessaram ‘ruas’ tão apertadas que só passavam 2 pessoas por vez e sempre tomando cuidado com os fios de eletricidade clandestinos.





Como o terreno baldio que as crianças jogavam futebol ficava do outro lado do rio e obviamente não tinha ponte, eles atravessavam pulando de pedra em pedra até a outra borda, mas essa era a parte mais divertida do caminho.


Esse era o local preferido das crianças da comunidade, algumas dezenas se revezavam para jogar, eles jogaram por algumas horas até que eles ouviram o barulho de tiros e pessoas correndo.


Eles já tinham visto esse tipo de situação o suficiente para saber o que fazer nesse momento, correr até não poder mais, Guaracy olhou para trás e viu a polícia perseguindo dois homens através da vegetação.


A perseguição não demorou muito, assim que os fugitivos chegaram em campo aberto os policiais descarregaram as armas, as crianças viram a execução, mas a preocupação delas estava mais em não cair no rio cheio de esgoto.




*

*


A próxima memória, ainda era na mesmo cômodo, mas agora Guaracy tinha uns 10 anos e estava agachado ao lado da mãe, “Filho... mamãe está bem! da próxima vez, tenta não intervir... agora vai!.. você tem que chegar antes dos outros meninos...”


Guaracy sabia que se ele não fosse agora, os dois iriam acabar passando fome por mais um dia, ele correu com todas as forças morro abaixo e quando ele chegou os feirantes já estavam começando a guardar as mercadorias.


Guaracy tinha chegado tarde, os outros garotos já estavam ajudando a desmontar as bancas e guardar as mercadorias em troca de comida. 


“O senhor precisa de ajuda?”


“Você não está vendo, que já tem três me ajudando?”


Depois de correr a feira de ponta a ponta duas vezes, Guaracy deu mais uma volta abaixado tentando achar as frutas e legumes que tinham caído no chão.


*

*


As memórias mudaram novamente e 2 anos se passaram, mas ele estava de novo no mesmo cômodo e novamente agachado no canto, ele estava sujo de fuligem dos carros e com a pele queimada de tanto andar no sol.


Os braços finos do pequeno Guaracy tremiam de raiva, enquanto ele tentava não olhar para a ‘briga’, mas a vontade dele nunca importou, logo em seguida ele foi pego pela camisa pelo namorado da mãe.


“O que você fez com o resto do dinheiro? vai continuar me dizendo que depois de horas no farol você só conseguiu isso? vai para rua agora! você já sabe o que vai acontecer, se não trouxer o suficiente”


Guaracy foi correndo para rua, mas ele não gostava de pedir a noite, pois a dinâmica era toda diferente nesse horário, a maioria das pessoas honestas que estavam na rua tinham medo de chegar perto dele e Guaracy não queria chegar perto dos não honestos nesse horário.


Ele andava com bastante cuidado pelas ruas da comunidade, uma das piores coisas que poderiam acontecer seria ver o que não era para ser visto, se ele passar na hora em que um traficante estava fazendo algo, um pouco pior do que vender drogas, a vida dele não ia durar, na verdade era mais perigoso encontrar a polícia, eles só vem a noite na comunidade para traficar drogas ou para o banho de sangue semanal, mas nesses eventos sempre sobrava bala até para os que estão dormindo em casa e como em todo evento memorável ele começava com fogos.


Quando ele passou na frente de um dos muitos becos, Guaracy sentiu alguém se aproximando, ele se virou já pensado em correr, mas era João, um garoto mais velho que mora na casa ao lado, ele estava todo arrumado e com roupas novas. 


“iai Guara? ainda nessa de pedir dinheiro no farol?”


Guaracy não conseguiu responder.


“É só falar, que eu te apresento para os manos, você vai ganhar dinheiro o suficiente para sair da merda que você e sua mãe vivem…”


“Valeu!... eu vou pensar nisso, agora eu tenho que ir..”


“voce que sabe”


 “Eu nunca vou ser um traficante! por mim vocês merecem apodrecer na cadeia..” pensou Guaracy enquanto descia a rua.


Guaracy desceu toda a comunidade até uma das avenidas mais  movimentadas da região, era uma avenida comercial bem comum, mas totalmente diferente das ruas da comunidade.


Ele esperava os motoristas pararem no farol para pedir dinheiro, andava de ponta a ponta da avenida tentando conseguir alguma coisa,  ele passou algumas horas pedindo dinheiro ou se oferecendo para ajudar alguém, a madrugada chegava e Guaracy estava exausto e faminto, mas só tinha conseguido algumas moedas.


Andando pela avenida ele viu uma lanchonete colorida, toda iluminada e limpa, as pessoas comiam rindo e conversavam sem nem prestar atenção na comida, Guaracy ficou na vidraça olhando.


Guaracy não percebeu, mas ele já estava a dez minutos assistindo a ‘peça de teatro’ pela vidraça, um funcionário saiu da lanchonete e parou do lado dele.


“Toma”


“Garoto… pega”


 Guaracy só percebeu que tinha alguém falando com ele quando o funcionário colocou um lanche na mão dele.


“..?... obrigado”


“Agora sai... você está incomodando os clientes”


O resto todo perdeu a importância para ele, ele só conseguia ver o lanche, Guaracy só se lembrou de algo importante quando estava perto de acabar.


“ Devagar Guaracy… hum… será que ele me arranja um sorvete?”


Guaracy já estava sorrindo, mas ele conseguiu fazer um bem maior quando pensou na possibilidade de comer um sorvete de chocolate, ele se virou tentando encontrar o funcionário, mas o que ele viu foi outro garoto de rua.


O garoto vendo o sorriso bobo de Guaracy, decidiu sorrir de volta, um sorriso vermelho e debochado.


Guaracy travou vendo aquele sorriso, os dentes do garoto estavam cobertos de sangue e ele tinha hematomas por todo o corpo, Guaracy desinflou na hora, a empolgação desapareceu e ele quase se esqueceu do lanche.


“Ei... espera...”, mas Guaracy tinha demorado demais, o garoto já tinha se misturado na multidão.


*

*


“Mais uma vez para o cantinho.. mas a última”


 Guaracy, agora com 13 anos, não conseguia mais ficar com os olhos fechados, ele já tinha tentado separar a ‘briga’ muitas vezes no passado, mas ele sempre acabava piorando a situação.


Quando Guaracy viu a mãe dele apanhando novamente ele não aguentou e pegou uma faca.


“CHEGA! Sai de perto da minha mãe!”


“Abaixa essa faca moleque, antes que eu faça você se arrepender”


“Eu não vou abaixar até você se afastar da minha mãe e sair dessa casa”


“Para Guaracy, ele vai parar de fazer isso...” 


“Cala a boca mulher,  quem você pensa que é moleque? … você acha que pode mandar em mim? dentro da minha casa?” ele dizia enquanto pegava a arma do bolso.

 

Guaracy travou quando viu a arma apontada para a cara dele, mas o barulho e a dor o acordaram, se ela não tivesse interferido o tiro não teria dilacerado somente a bochecha e a orelha.


O rosto ensanguentado e contorcido de raiva e dor, Guaracy pulou com a faca, ele tentou parar Guaracy, mas ela segurou o braço dele, a faca entrou no ombro, ele tentou empurrá lo, a faca cortou o braço, ele pulou para trás, a faca cortou a coxa.


Ela sabia que não tinha mais volta, Guaracy não tinha nada na cabeça além de ódio, mas a memória ficou nublada nesta parte, ela só voltou a ficar clara quando ele se viu acordando algemado na cama de hospital.


Ele olhou em volta tentando entender a situação, ele estava sozinho no quarto, ele tentou chamar alguém, mas foi aí que ele sentiu a dor e pôs a mão nas bandagens que cobriam parte do rosto, ele sentiu que faltava alguma coisa.


“ALGUÉEEM!!”



“POR QUE EU ESTOU PRESOOOO?!!”



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