Cap 9: À toa
Era duas horas da manhã e Guaracy estava no ‘Quarto/corredor’, sentado no colchão velho que usava para dormir, ele não conseguia dormir mesmo estando exausto, de passar os últimos 2 dias tentando encontrar o Paulo e a Yara.
Ele já tinha revirado valas, conversado com todas as facções que conhecia e agora só faltava a milícia.
“algum deles deve ter mentido… “
”Por que ela foi procurar sem mim?”
“Eu só queria ter uma vida normal…”
“Por que eles tem que tirar tudo de mim?”
Guaracy passou a mão na cicatriz e disse “Eu vivo cometendo o mesmo erro… eu tolerei vocês por tempo demais…”
“Eu nunca mais vou deixar o medo guiar as minhas ações” dizia enquanto se levantava.
Ele se trocou e correu para rua.
Nesse horário as ruas da comunidade eram sempre perigosas, mas isso era perfeito para o que Guaracy queria fazer, depois de pegar uma pedra da calçada ele andou até um dos becos, na rua da frente um adolescente estava sentado conversando com um colega e de vez em quando uma criança conversava com eles e voltava correndo para a área dos shows .
Essa era uma cena bem comum na região, a criança era um aviãozinho, os usuários davam o dinheiro na mão dela, ela andava até os traficantes e fazia a troca, Guaracy não ia chegar neles, mas sim no olheiro que estava em um dos telhados protegendo os traficantes.
Ele pegou impulso e deu um passo na parede para subir no telhado da casa ao lado, ele foi silenciosamente andando de laje em laje, alguns minutos depois Guaracy achou o lugar que o olheiro estava escondido.
O ‘esconderijo’ era atrás da caixa d'água coberta por telhas, o olheiro conseguia ficar de olho nos dois lados da rua em que ficava a boca, mas ele não estava esperando alguém ir se esgueirando pelos telhados desde a rua de trás.
Guaracy tinha escolhido esse lugar pois ficava bem perto de uma boate e a música alta e a falta de profissionalismo iriam ajudá lo bastante.
Guaracy tirou a camisa e a enrolou no rosto, foi engatinhando pelo telhado até ficar logo atrás do olheiro, quando o olheiro escutou um barulho, Guaracy já tinha pulado com uma pedra na mão.
Guaracy o acertou com todas as forças na cabeça e usou o peso do corpo para o impedir de pegar a arma, o olheiro tentou gritar e pegar a arma, mas ele não resistiu ao segundo golpe e desmaiou.
Guaracy pegou a arma caída e revirou os bolsos do olheiro, ele achou dinheiro, munição e drogas.
Os planos de Guaracy requerem que ele tenha dinheiro e armamento, ele não tinha nem um dos dois, então ele tem que improvisar no começo, obviamente ele odeia drogas, mas ela poderia ser útil para o plano.
Ele andou de volta pelos telhados e tomou bastante cuidado para não ser visto descendo no beco.
“Esse foi só o primeiro passo...”
O sorriso dele destoava bastante das ruas escuras e das mãos ainda manchadas de sangue, Guaracy andou até a rua atrás da casa em que morava e subiu no telhado de uma das casas.
”Se a tia me ver com drogas ela com certeza chama a polícia” pensou antes de esconder as coisas no telhado do vizinho e entrar pela janela de trás da casa da tia.
Depois de se limpar, Guaracy voltou para o cantinho dele.
“Eu ainda preciso de muitos recursos… eu tenho que ser cuidadoso em cada passo, ainda tem muita gente merecendo pagar pelo que fez…”
Ele passou os próximos 2 dias pesquisando e preparando o próximo passo, comprou algumas ferramentos e decidiu que o objetivo dele seria Cleber, ele é um vice gerente de uma das bocas.
As bocas na comunidade funcionam mais como franquias das grandes facções, eles operam em uma área e são obrigados a pagar comissões para a polícia e a facção que domina a região.
Na comunidade existem muitas bocas com pequenos grupos dominando e todas subordinadas a uma fação, algumas ruas movimentadas podem comportar 5 bocas de grupos diferentes, a maioria deles operam com 12 pessoas, 6 deles se revezando para servir os seus clientes durante 24h.
“A polícia diz que está fazendo buscas, mas nem veio na comunidade procurar pistas para encontrar o Paulo e a yara, se eu pegar o Cleber eu vou ter acesso a dinheiro e um jeito de falar com a milícia.
“Uma melhor opção seria o gerente, mas ele tem muita proteção e Cleber é perfeito para isso, toda sexta a noite ele fica chapado em casa com uma garota” pensava Guaracy enquanto voltava da praia.
Guaracy saiu de casa na sexta quando todos tinham dormido e andou até rua de Cleber, ele tinha se vestido com roupas velhas, usou o cabelo para cobrir parte do rosto, nas mãos ele estava segurando uma garrafa meio vazia e uma sacola com a arma, luvas, máscara e algumas ferramentas.
Ele andava meio cambaleando pela rua até entrar na viela que ficava duas casas ao lado do objetivo, as casas dessa parte da comunidade eram maiores e tinham até quintal, ele colocou a máscara e as luvas antes de pular o muro de uma casa próxima, continuou pulando os muros até a casa do Cleber.
Do lado de fora, era possível escutar uma música alta, ele olhou pela janela da casa e não via movimento algum, ele usou o kit que ele tinha comprado, para abrir a porta dos fundos, Guaracy pegou a arma e andou pela cozinha procurando os dois.
Um dos grandes motivos que fez Guaracy escolher o Cleber era que ele costuma namorar garotas jovens demais, isso não era uma coisa incomum na comunidade, se alguém ficar na frente de uma escola vai ver varias garotas de 13 anos com namorados bem mais velhos.
Guaracy tinha escolhido esse horário pois facilitaria se ele estivesse grogue, mas atrapalharia bastante se Cleber estivesse desmaiado, Guaracy ouviu barulhos no quarto, ele chegou perto e olhou pela fechadura.
“Eu te mato… espera Guaracy… você não pode alertar os vizinhos…. e ainda tem perguntas a fazer”
Ele esperou ao lado da porta, tentando escolher o melhor momento, depois de 2 mim ele escutou Cleber dizer que iria pegar mais bebida, Guaracy voltou para a cozinha e esperou Cleber entrar.
Assim que cleber passou pela porta Guaracy colocou a arma na nuca dele.
“Quieto.. se você gritar eles vão escutar em seguida o seu corpo caindo no chão...”
Cleber estava embriagado, mas ele já esteve em conflitos o suficiente para não se apavorar.
” Eu só quero te fazer algumas perguntas, você pode sobrevir se obedecer, fala para ela esperar no quarto, pois você tem que resolver algumas coisas”
Cleber estava nervoso, mas obedeceu.
“Vamos para o quintal de trás... e prende as mãos com isso aqui”
Guaracy o colocou sentado contra o muro e com uma das mãos pegou o celular.
“Você viu algum desses dois? e reponde baixo”
“Não…”
“Você tem dinheiro na casa? cadê o seu celular?”
Depois de ouvir as respostas Guaracy amordaçou e prendeu os pés de Cleber, o celular pessoal estava no quarto, mas por sorte o esconderijo em que ele guardava o dinheiro e o celular usado para contatar os outros criminosos ficava no banheiro.
Guaracy nem levou um minuto para pegar as coisas e voltar, ele achou mais uma arma, alguns milhares de reais e quatro celulares.
“Para que serve cada celular?”
“Eles são usados para entrar em contato com as facções e a polícia”
”Desbloqueia o celular e pergunta no grupo da facção se eles sequestraram ou sumiram com alguém da região na última semana, não tente nenhum truque..”
“Eles vão achar estranha essa pergunta”
“Você vai dar um jeito… a sua vida depende disso e você tem bem pouco tempo”
Guaracy colocou o celular na mão dele e se certificou sobre as perguntas, ele fez Cleber perguntar sobre a idade e gênero das pessoas que eles sequestraram e mataram na região nos últimos dias, mas nenhuma batia com as características da Yara e do Paulo.
“Você já teve a sua resposta.. se você ir embora eu não conto para ninguém o que houve aqui..”
“Pergunta para a milícia agora…”
“Eles não são trouxas de responder isso…”
“Ok…. faz sentido...”
Depois de amordaçá lo novamente, Guaracy mudou as senhas dos celulares e os guardou, Cleber ficou aliviado quando viu Guaracy guardar a arma, mas a expressão dele mudou bastante quando o viu voltar da cozinha com uma faca.
“Você realmente achou que eu ia te liberar?.... Você está com uma criança no quarto….”
Guaracy desenhou o símbolo de uma facção vizinha na parede antes de pular os muros novamente, assim que chegou no beco ele guardou as luvas e a máscara, segurou a garrafa e saiu pelo outro lado.
“Eu pensei que sentiria alguma culpa fazendo algo assim.. mas a única coisa que eu sinto é alívio.. talvez arrependimento, por não ter feito isso antes… eu vi muitos como ele e não fiz nada...”
Ele só começou a andar normalmente duas ruas abaixo, Guaracy acreditava que eles iriam demorar para achar o corpo, pois a garota provavelmente não iria atrás do Cleber por conta própria.
Guaracy usou um dos celulares para agendar o envio de uma mensagem, para uma hora depois que ele chegasse em casa, a mensagem seria enviada para polícia, reportando uma briga de gangue naquele endereço.
“Não faço ideia se eles vão acreditar, mas talvez isso e a polícia afastem os problemas da garota” pensava enquanto colocava a luva antes de esconder o celular em uma moita.
Depois de dar algumas voltas ele usou um terreno baldio para esconder as coisas e trocar de roupa.
Enquanto andava para casa ” eu poderia usar as mensagens do celular dele, para achar o momento certo de abordar um dos milicianos, mas e se for outro grupo de policiais corruptos… e se não for a gangue vizinha.. eu vou ter que pegar um de cada gangue?….”
“Eu não vou conseguir achar os culpados…” a escuridão do beco era sufocante.
“Eu...”
Ele tentava se acalmar, mas a escuridão, a solidão e o sentimento de impotência eram esmagadores.
“Eu me arrisquei a toa..”
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